UMA CRÍTICA À TÉCNICA MODERNA EM HEIDEGGER E HÖLDERLIN

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Marlon Nunes[1]

RESUMO: Pretendemos a possibilidade de uma nova verdade que não seja apenas calculista, racionalista e projetável, mas poética e ecológica. Os conteúdos racionalizados e burocratizados proporcionam o destaque no modo de vida tecnocrático e mantém o status quo, pois: “a técnica funciona”. Considerando que os cálculos e projetos da humanidade transformam tudo em coisas, passamos a analisar este universo coisificado como sendo a única verdade. Expulsamos os poetas, valorizamos o pensar calculista e todo o resto está rapidamente sendo esquecido. Na “Introdução à Metafísica”, Heidegger salienta que o ser no domínio do cálculo torna o ente apto a ser subjugado pela técnica moderna matematicamente estruturada, que se distingue Essencialmente de todo o uso de instrumentos até então conhecido.

PALAVRAS-CHAVE: Crítica. Técnica. Poesia. Tradição. Heidegger. Hölderlin.


1 INTRODUÇÃO


O avanço científico-tecnológico e o consumo são consideravelmente duas das principais características das sociedades contemporâneas. Em conjunto formam as bases das sociedades globalizadas e o sustentáculo da padronização dos modos de vida em todo o mundo. Heidegger (1996) em seu texto “A questão da técnica” discute o poder que a técnica tem de provocar um enorme desencobrimento das riquezas do planeta, constituindo o que podemos chamar de verdade exploradora.

A técnica não é, portanto, um simples meio. A técnica é uma forma de desencobrimento. Levando isso em conta, abre-se diante de nós todo um outro âmbito para a essência da técnica. Trata-se do âmbito do desencobrimento, isto é, da verdade. (HEIDEGGER, 2008, p. 17).

“O desencobrimento, que rege a técnica moderna, é uma exploração que impõe à natureza a pretensão de fornecer energia, capaz de, como tal, ser beneficiada e armazenada.” (HEIDEGGER, 2008, p. 19). O fetichismo proporcionado pela técnica e a magia com que essa essência conduz a atividade produtora da sociedade deixa os homens fascinados pelo poder técnico e inocentemente ainda depositam na técnica a esperança de um mundo melhor.

Seria então a realidade técnico-científica a única verdade (Alétheia)? Estaríamos abertos a experimentar o que ainda não foi experimentado? Nosso trabalho aqui é parte de uma pesquisa sobre o universo técnico-cibernético; crítica à metafísica tradicional através das enunciações de Heidegger e proposição de uma nova verdade que não seja apenas calculista, racionalista e projetável, mas poética e ecológica na perspectiva de Hölderlin citado por Heidegger (2008, p. 37): “Ora, onde mora o perigo, é lá que também cresce o que salva.”



2 NECESSIDADE DE INVESTIGAR A TÉCNICA



Galimberti (2006) em suas análises sobre os textos de Arnold Gehlen, afirma que o homem é um ser biologicamente carente, pois em comparação com qualquer outro animal, o homem necessita de cuidados especiais ao deixar o ventre da mãe: “O animal in-siste num mundo que para ele já está preordenado, ao passo que o homem ex-siste, porque está fora de qualquer pré-ordenação e, por efeito dessa sua ex-sistência, é obrigado a construir para si um mundo”. (GALIMBERTI, 2006, p. 83). Verifica-se então que o sentido da técnica está aí:

[...] em reconhecer para além do ambiente atual um ambiente possível, um ambiente que se desenha não por uma intuição da alma, mas porque a ele conduz a cadeia dos instrumentos construídos um depois do outro, segundo aquela modalidade que, em todos os pontos da série, permite descobrir um outro mundo”. (GALIMBERTI, 2006, p. 91)

Heidegger (1996, P. 167) nos diz que é nesse Ek-sistindo que o homem in-siste em errar. O homem provocou a secularização da técnica e a trata como um ente necessário e superior. Andar com o celular aos ouvidos ou dormir com o Portable On Demand no beiral da cama tornou-se prática ostensiva para a continuidade das funções diárias. O aparato técnico com o seu vigoroso potencial exploratório das matérias-primas e a produção de armamentos atômicos, discutida por Heidegger (1996) em seu texto “Sobre a essência da verdade”, caracterizam a nossa competência para a destruição.

Heidegger (1996) explica que a essência da técnica é um desvelar explorador que transforma o estado real e modifica o meio. Dessa maneira não devemos entender a técnica apenas como a produção de objetos, mas como uma composição ou “arrazoamento” que projeta o real como disponível:

Com-posição, ‘Gestell’, significa a força de reunião daquele por que põe, ou seja, que desafia o homem a des-encobrir o real no modo da dis-posição, como dis-ponibilidade. Com-posição (Gestell) denomina, portanto, o tipo de desencobrimento que rege a técnica moderna [...] (HEIDEGGER, 2008, p. 24).  

O nosso destino, a força encaminhadora do arrazoamento garante a funcionalidade do sistema e as nossas ações são determinadas pelo conteúdo técnico. Os conteúdos racionalizados e burocratizados (técnicos) proporcionam o destaque no modo de vida tecnocrático e mantém o status quo, pois “a técnica funciona” (GALIMBERTI, 2006). Quem estaria disposto a inverter esta ordem? Galimberti (2006, P. 8) salienta que:

[...] a técnica não é mais objeto de uma escolha nossa, pois é o nosso ambiente, onde fins e meios, escopos e idealizações, condutas, ações e paixões, inclusive sonhos e desejos, estão tecnicamente articulados e precisam da técnica para se expressar.

Durante séculos a concretização da técnica (ciência) como forma de transformação da natureza (physis) a partir de adaptações da visão aristotélica de causalidade (material, formal, final e eficiente) consolidando-se com o cartesianismo (cogito ergo sum[2]), o iluminismo e o positivismo coisificaram[3] o mundo e os homens. Como resultado da produção técnica, transformamos tudo em coisas e a principal matéria-prima somos nós mesmos.

Pensar a coisa, como coisa, significa deixar a coisa vigorar e acontecer em sua coisificação, a partir da mundanização de mundo. Pensando, destarte, nós nos deixamos manejar pela vigência mundanizante da coisa. Tornamo-nos, então, no rigoroso sentido da palavra, ‘coisados’, isto é, condicionados pela coisa. Deixamos então, para trás a pretensão de todo ‘incoisado’, isto é, de todo incondicionado pela coisa. (HEIDEGGER, 2008, p. 158) 

Considerando que os cálculos e projetos da humanidade transformam tudo em coisas, passamos a analisar este universo coisificado como sendo a única verdade. Entretanto, precisamos enxergar as coisas não como coisas propriamente ditas, mas pensar o seu sentido. “O primeiro passo na direção dessa vigília é o passo atrás, o passo que passa de um pensamento, apenas, representativo, isto é, explicativo, para o pensamento meditativo, que pensa o sentido”. (HEIDEGGER, 2008, p. 159).

Heidegger (2008) propôs o entendimento do que compõe a técnica e demonstrou que a produção técnica descobre o real como disponibilidade, o que visualizamos hoje como um expressivo desequilíbrio no planeta: “[...] não estamos mais nas origens e sim, ao contrário, no fim. No fim de uma hybris, de uma ‘sobrenaturalização de uma natureza dada’” (JONAS, 2006, p. 334). O coiteiro de Heidegger (2008) continua à disposição da indústria madeireira, dos jornais e revistas que pré-dispõem a opinião pública ao consumo. Movimento que se torna indefinido e aparentemente infinito: quanto mais se produz mais se consome. Nessa perspectiva, o homem é o único ser que se projeta no futuro, produzindo tecnologicamente imaginários irreais ou nos dizeres de Baudrillard (1991, P. 154), hiperreais:

Já não é possível partir do real e fabricar o irreal, o imaginário a partir dos dados do real. O processo será antes o inverso: será o de criar situações descentradas, modelos de simulação e de arranjar maneira de lhes dar as cores do real, do banal, do vivido, de reinventar o real como ficção, precisamente porque ele desapareceu da nossa vida [...] antecipadamente desrealizada, hiper-realizada.

Após décadas das reiterações de Heidegger (1996) sobre a cibernética, tornou-se ritual[4] nos ligarmos aos aparelhos eletrônicos. Somos programados para mantermos os padrões exigidos pelo sistema tecnocrático e consumirmos todos os aparatos de última geração como se isso fosse, metafisicamente, o sustentáculo da vida humana.

O caráter específico desta cientificidade é de natureza cibernética, quer dizer, técnica. Provavelmente desaparecerá a necessidade de questionar a técnica moderna, na mesma medida em que mais decisivamente a técnica marcar e orientar todas as manifestações no Planeta e o posto que o homem nele ocupa. (HEIDEGGER, 1996, p. 97)

Não vemos muitas saídas para relações que se dão no sentido estrito da produção, do consumo e dos interesses. E que se tornam cada vez mais cibernéticas. Estamos inseridos na reprodução do já reproduzido. Estamos programados. O fetiche da técnica e o fetiche do consumo estão interligados. Galimberti (2006) escreve que na falta de sentido é identificável a atmosfera niilista que a técnica difundiu com uma radicalidade que vai bem além da descrição que a filosofia faz dessa figura. E Baudrillard (1991, P. 200), inspirado em Nietzsche (2009) afirma que:

Mas é aí que as coisas se tornam insolúveis. Pois a este niilismo activo da radicalidade, o sistema opõe o seu, o niilismo da neutralização. O sistema é ele também niilista, no sentido em que tem o poder para reverter tudo, inclusivamente o que ele nega, na indiferença.

Estamos agora no mesmo nível dos objetos, das coisas, dos programas, dos cálculos, das engrenagens, das máquinas, ou seja, dos objetivos do sistema. Somos o sistema, somos a finalidade, somos o Fim. “No crepúsculo, tudo, isto é, o ente na totalidade da verdade da metafísica, encaminha-se para o fim” (HEIDEGGER, 2008, p. 63). O sistema se aproveita dessa condição sendo indiferente porque é isso que interessa para ele. Já não somos apenas alienados, mas nos identificamos com o sistema.
               
Produção, consumo e programação são sinônimos da falta de sentido tanto quanto da morte para a existência da vida na Terra[5]. Expulsamos os poetas, valorizamos o pensar calculista e todo o resto está rapidamente sendo esquecido. Na “Introdução à Metafísica”, Heidegger (1999) salienta que o ser no domínio do cálculo torna o ente apto a ser subjugado pela técnica moderna matematicamente estruturada, que se distingue Essencialmente de todo o uso de instrumentos até então conhecido. “Enquanto imperar este estado de coisas, jamais poderemos considerar com atenção que e em que medida o poetar funda-se no pensar da lembrança” (HEIDEGGER, 2008, p. 118). Funda-se no pensar da musa das musas, a memória: Mnemosyne. Por isso a técnica deve continuar sendo pensada.

  
3 A SAÍDA DE HEIDEGGER, A POESIA DE HÖLDERLIN


É preciso entender a extensão da noção de poesia para Heidegger (1996), considerando a poesia do poeta suábio. Heidegger (1996) sempre refere-se à poesia no sentido amplo do termo alemão Dichtung (fabular, aproximar, juntar). Segundo Werle (2005), esse termo ultrapassa o limite da própria arte, constituindo uma crítica à noção moderna de técnica. Ainda segundo Werle (2005) Heidegger (1996) considera Hölderlin, “o poeta dos poetas”. A partir da existência humana Hölderlin captaria a essência da poesia e assim transmitiria sua mensagem para o povo. A poesia relaciona-se com a existência humana e historicamente busca a identidade do mundo moderno.

A questão da verdade do ser está diretamente ligada à poesia, pois, ela seria uma maneira de desvincular-se das categorias da metafísica tradicional. A poesia é uma maneira de escutar os deuses. Segundo Werle (2005, p. 38) “[...] temos a possibilidade de uma abertura do ser, uma vez que ele encontrou uma potência criadora receptiva para acolhê-lo”. A poesia é a verdade do próprio fundamento. O discurso poético procura combinar e diferenciar: a distância e a proximidade, o estranho e o próprio para que o ser histórico de um povo possa ser pensado em toda a sua extensão. Heidegger (1996) tenta assim mostrar o âmbito e os aspectos de um novo pensamento, “o outro começo”.

Talvez nem seja por culpa do poema que já não sentimos qualquer poder nele, mas sim pela nossa, que perdemos a capacidade de experimentá-lo, porque o nosso ser-aí se encontra enredado numa trivialidade pela qual é expulso de qualquer esfera de poder da arte. (HEIDEGGER, s/d, p. 28).

É preciso que saiamos da trivialidade, do costume da tradição metafísica ocidental. “Continua a ser decisivo o facto que a poesia é concebida como expressão da alma e da sua vivência” (HEIDEGGER, s/d, p. 34). O poetar liberta-nos dos males feitos pela história científica que transformou-nos em armas, em máquinas reprodutoras da repetição cotidiana, semanal, mensal, anual [...] Tudo não passa de uma construção imposta, à qual estamos submetidos e presos. Não sonhamos com o novo no seu sentido original, homérico.


Heidegger (s/d, P. 37) cita o poema “Como quando em dia santo” de Hölderlin, para exemplificar a relação da poesia com algo maior, Deus:

Nós devemos, porém, estar sob as tempestades de Deus
Ó poetas! De cabeça descoberta
Agarrar o raio do pai com a própria mão
E oferecer ao povo, envolta na canção,
A dádiva celestial.

Esta é a função do poeta, demonstrar a relação natural do homem com a natureza, sendo que o homem não é diferente dessa, mas parte integrante e que deve viver em plena harmonia, celebrando o Ser e todos os outros entes que nos formam. A poesia proporciona a emancipação do homem diante às enfermidades causadas pelo desenvolvimento exacerbadamente técnico. Maneira sutil de contrapor a produção tecnológica e o seu impiedoso consumo da alma. Segundo Heidegger (s/d, P. 39), “[...] o poeta é o fundador do ser. Assim, o que chamamos real no nosso dia-a-dia acaba por ser o irreal”. Hoje o real e o irreal se fundem na hiperrealidade.

Por mais que estejamos expulsos do habitar poético ainda somos homens e povos. O homem como a poesia está cheio de ambivalências: é e não é, está cheio e vazio, é bom e mau etc. A poesia de Hölderlin, segundo Heidegger (s/d, P. 42) não pertence aos méritos e aos progressos culturais, já que ele diz:

Cheio de mérito, mas poeticamente, habita
O homem esta Terra.

Em relação a isso Heidegger (s/d) salienta que o homem está orgulhoso de seus feitos produtivos e sente-se cheio de méritos, mas tudo isso não diz respeito à forma do homem habitar a Terra (Heidegger, S/D, P. 42). Os feitos científicos, os conteúdos racionalizados, o desenvolvimento tecnológico não são maneiras decisivas de habitar a Terra:

Nas ciências, pelo contrário, tal como noutras coisas, o que conta é apreendermos de forma imediata o que é dito. Todavia, para catarmos simultaneamente o essencial no dizer, não podemos balbuciar desordenadamente alhos e bugalhos; antes, tal dizer requer da Filosofia um rigor do pensamento e da terminologia que as ciências nunca atingem e de que não necessitam. (HEIDEGGER, S/D, p. 48).
           
Pelos resultados metafísicos, científicos, técnicos, tecnológicos é que o ser-aí, agora, pertence aos poetas, pensadores, fundadores e criadores de um outro começo. A poesia emancipa diante às imposições da tradição. A poesia salva do perigo técnico-industrial, virtual e hiperreal.



4 REFERÊNCIAS


BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D'Água, 1991. 201 p.

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos, 1995.

CASANOVA, Marco Antônio. Compreender Heidegger. Petrópolis: Vozes, 2009.

DESCARTES, René. Discurso do Método: Meditações. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2008.

GALIMBERTI, Umberto. Psiche e Techne: o homem na idade da técnica. São Paulo: Paulus, 2006.


NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A genealogia da moral: texto integral. 3. ed. São Paulo: Escala, 2009.


HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. 5. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Ed. Universitária São Francisco, 2008. 269 p.

HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. São Paulo: Nova Cultural, 1996. 304 p.


HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. 2. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Ed. Universitária São Francisco, 2007. 598 p.

HEIDEGGER, Martin. Introdução à metafísica. 4. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999.

HEIDEGGER, Martin. Hinos de Hölderlin. [S.l]: Instituto Piaget. S/D.

HUSSERL, Edmund. Investigações lógicas. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto: PUC-Rio, 2006.

LEFRANC, Jean. Compreender Nietzsche. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.

WERLE, Marco Aurélio. Poesia e pensamento em Hölderlin e Heidegger. São Paulo: Editora UNESP, 2005.




[1] Bacharel licenciado em Geografia pela PUC Minas. Mestrando em Estudos de Linguagens com ênfase em processos discursivos e tecnologia pelo CEFET-MG.
[2] Primeira parte, Segunda parte e Terceira parte, In: DESCARTES. Discurso do Método: Meditações. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2008, pp. 21-26.
[3] Galimberti, U. Psiche e techne – o homem na idade da técnica, São Paulo: Paulus, p. 356, 2006.
[4] Rituais que potencializam ainda mais a ideia da disponibilidade técnica e representam de outra maneira o que Heidegger escreveu sobre os jornais e as revistas de sua época.
[5] Weber, Marcuse e Severino, In: Galimberti, U. Psiche e techne – o homem na idade da técnica, São Paulo: Paulus, pp. 485-492, 2006.

ALEXANDRINA

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O coração que carrega é uma montanha
Correntes a trancam
Sua coragem é pouco tamanha
Gramíneas o cercam

Ainda que tardio seja
Rasgo aquelas folhas
Estética é o que almeja
Compreendo sua escolha

Onde tentei dizer
Utilizo a ponta do cinzel
O quanto convencer?

Auxílio do arcanjo
Anagrama complexo
Assear nosso canto

Marlon Nunes
28 de novembro de 2011

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SONHO DE UMA QUEDA IRREAL

Sonho de uma queda irreal
Elos que nos unem ao chão
Dor de ossos quebrados
Mulheres ao redor de fracos músculos

As mãos atravessam os muros
Sua carne cheira queimado
Os paralelos encontram-se
Seios arredondados

Língua quente toca o cérebro
Sonho de uma noite hiper-real
Arrancados os pelos das paredes
Toques salgados em cordas soltas

Ultrapassamos os céus
Tocamos os Deuses
Sugamos as pernas
Sonho de uma queda irreal

Marlon Nunes (S/D)
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SILUMACROS
Um tubo me levou para dentro do sistema
Via cores e mundos distantes
Cabeças cortadas

Quadros pendurados de cabeça para baixo
Crânios abertos
Seios nas mãos

Telas trêmulas e visão destorcida
Animais a correr
Chá e torradas

Superaventuras intergaláticas
Mentes dominadas
Falsos beijos

Novamente flores

Marlon Nunes (S/D)


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RIZOMÁTICA
Corra em labirintos floridos
Eles a perseguem, fugidia
Mente para os pesadelos
Procurando a vitória

Esconde-se dos mais sinceros
Perde-se nos devaneios imagéticos
 Hibridismo mental
Luminosidade ofuscante

Encobrimento natural
Falta de sentido
Respiração inebriante
Confusão limítrofe

Saltos em espinhos gigantes
Histeria rizomática!

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!

13 de setembro de 2011


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OLHAR E SER VISTO

Retratos modernos exibidos
Cenas em alegorias
A dor da cabocla mexicana
Expressão descabida

Murais populares de Siqueiros
Impressões digitais, Eu mesmo
Penteadas as tristezas,
Escovam nossos dentes sujos

Cabarés recebem rabiscos
Da bailarina de Cancan
Por trás do picadeiro
Observo, registro e petisco

Pancetti, o vermelho e a marreta
Vontade de não ser visto
Mas como voyeur, reparo
As almas que entram e saem

Muitas vezes arrogantes
Já vão logo pondo a mão
Poucas vezes preocupadas
E ainda há aquelas assustadas

Exercícios diários de resistência
Ao caminhar vários quilômetros
Em frente ao ponto, ver que a arte
Está longe, longe da verdade

Dos seres que vagam pela grande cidade
Do senhor com a barriga aberta
Do outro, frágil negro velho
Longe dos economicamente pobres

Perto dos economicamente podres
Perto ou longe dos espíritos malignos
Dos benignos nem tão próxima nem distante
Caminhando pelas paredes brancas

Como fantasmas, atravessam nossas vidas
Os silenciosos camponeses surdos
Desaparecem na loucura de Nijinsky
Nos traços atrapalhados no menino de Apel

Em pensar que podemos voar
Assentados no pavão
Olhando a princesa do ar
Sermos fieis admirando os cisnes

Ou perder-nos na pompa
Se não seguirmos a bússola de Contarini
Pelo olhar de Sr. Willian, também oprimidos
Chamados às bochechas vermelhas, morder

Celebridades do Renascimento
Seqüência de Fibonacci, câmara clara
Novas culturas e pescoços alongados
Máscaras que simulam a realidade

Trancados na hiper-realidade, nos simulacros
Do capital, dos museus itinerantes,
Da artificialidade do Inhotim, do não-lugar
Presos, fora das memórias dos pensadores originais
Em pranchetas e relatórios

Em tabelas de custo e arquivos mortos
No absurdo preço do café
Na segregação rodeada de serras
O desmatamento para a verticalização social

Da arquitetura dos corpos
Divididos por Platão
Dos dois triângulos azuis
Das estrelas e faixas vermelhas

Do condado ítalo-brasileiro
Das miseráveis crianças que veem tanta comida
E mesmo assim passam fome no foyer
Uma mãe negra que segura sua cria

Sem ter o que comer leva seu filho
Para um trabalho escolar complementar
 Através do olhar e não ser vista
Das conversas de balcão

Técnicas pedidas, realizadas
Virtuais trocas pessoais
Vieram amigos e alguns já vão
Atropelamento do tempo

Velocidade no espaço destruído
Pelas construções industriais
Inesquecíveis experiências transbordantes
Semáforos que não seguram

Poucas são, oportunidades de sentir
Tornar-se sensível, Ereignis
À descoberta do Ser
Salvando, nossa burocrática morte
Marlon Nunes
4 de julho de 2011
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NEGRA FOME

O mistério, negra fome
Aperte minhas mãos
Deus está próximo
O relâmpago apagou
Volte para minha mente

Entendo o esperar
De uma letra
Sozinhos no parto
Ande em minha direção
Há fogo nas montanhas

A manhã inteira
A madrugada clara
Estende-se por dias
Viva e cante os anos
Voltas em ruas vazias

Há fogo nas montanhas!
O mistério da negra fome!

Marlon Nunes 13 de setembro de 2011



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KILIMANJARO

Uma montanha branca em um coração negro
História apagada em meio desertos de paixão
Povos dizimados, Apartheid
Tamanhas cores
Do sorriso alegre e tosco
O monte e as florestas circundantes
Rica espécie colorida
Pelo sangue da metrópole
Angu, batuque, cachimbo
Moribundo marimbondo
Sobrevoando o Monte
Kilimanjaro

Marlon Nunes – 3 de fevereiro de 2011 (23h e 11m)
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ESPIRAL

Natureza em espiral
Em especial sua pele
Curvas do universo banal
Encontro números na TV

As rosas fazem soar
Os sinos das igrejas
Tempo nunca permitiu voar
Cravar os símbolos e as conchas

Numa letra grega de azar
De leves lebres brancas
E Todas as plantas
Lírios da sorte, estruturas sexuais

Nautilus
Um novo quarto maior
Da caixa que guarda os segredos da esfera

Tudo na natureza em espiral
Em especial seus aros, suas peles
As curvas do universo levam-me
De encontro aos números da TV


Tudo em espiral,
Suas curvas em especial
As peles do universo

Marlon Nunes (S/D)
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RETORNO

É preciso buscar de novo
À vontade te toca
Seus seios em minha boca
À vontade te canta

Você não passa de uma filha
Que não sabe por onde anda
E grita histérica
No meio da matilha

Passo a mão na cabeça
É por doença
Teimosa nunca descansa
Sempre pergunta

Marlon Nunes (S/D)
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DESACORRENTADOS

O que foi prometido está cumprido
Sem correntes ele voou
Levou o fogo até o mais baixo
Dos homens o que sobrou

O mundo invadido
Sonhos aerados
Cibernética, o espírito divino
Penhascos rochosos

Longas filas de metal
E curvas mortais
Cercas de concreto
Grãos de areia molhada

Secos canais da criação
Dons negados ao sol
Falsas negações
As vozes do trovão

Marlon Nunes - 13 de setembro de 2011
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DECISÃO

Decidimos amar,
Sol, I am de Sun
Soul for the god, am feel on the hands
Sun and Mar
Lontras em três maravilhas
Nuvens ao redor
Brain, danças russas and brazilian
Cossacando a casaca do casaco
Desde quando nascemos
E diante às sombras vejo
Ondas vermelhas
Como flechas Astecas
Mesmo que sejam pretas
Mar, Lona trás, Sun
Ou Maias, on sea
And Sun
And Mar
And Sun
And Mar
And Sun
And Mar
Cambeba, Embiá, Xetá
Duvidará de quem quer amar
Sobre as luas
Sobre os sóis
Sobre o mar
Duvidarás do amar
Mar Santo, iá, Sun.
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TEMPO INTOCÁVEL

Partes são essas, douradas
Fazem-me a cabeça
Outras vermelhadas
Por dentro das luzes, esperar

Olhares pelo vidro, olhares pela sala
Passa-se o tempo
Está vindo de lá
Chegando em brancas páginas

Entre brumas, vestígios
Vejo-te cantando, só
Em meio escuras florestas
Por abismos pendurando-se

Uma cena diferente
Observo as aves azuis
O contorno desenhado
Do amar à distância

O curso seguido
Minha maldição
Os lírios queimados
Jogados e intocados, estamos no tempo nosso!

Marlon Nunes 18 de maio 2011 às 00h
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ALUCINANTE

A luz se pôs sob o sol
Em meio à destruição,
Surge o seu nome

Toques na escuridão
Aceleração sanguínea
A aura de suas mãos
Deleitam-se no guiar

Identidade que faltava
Sentimentos de esperança
Justificar nossa vivência
Todo o labor e culpa

Diante indolências
Da tradição excludente
Intento de manifestação
Encontro apenas em você

A saída de um mundo
Que já não mais existe
Próteses para o coração
Mensagens globais, simulações virtuais

Único ente real, nós!
O árido mundo atual
O inferno circular
Sua faculdade poetizante

Natureza sua que faz do ateísmo
Um ato de fé
Uma frase provida de grandeza
Tarde inacabada

Para os deuses
Sente-se só
 Em um mundo estranho
Ritmo expresso pela queda

O tempo abriu suas entranhas
Cria, realizadoras imagens
Descubro o seu Eu
Na dispersão de seus fragmentos

Cada gesto como signo
Que concentra em mim
Todo o ardor da companhia
Modernidade materialista

Verso livre e poema em prosa

Marlon Nunes 28 de agosto de 2011
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BRILHA MAIS

Brilha mais o sol
Sobre suas ondas
Reflexo intertropical
Temores da vida

Lembro-me da tenra idade
Filmes e ficção
Só poderia existir um
Como guerreiro Highlander

Aquelas curvas douradas
Convidam-me a subir o castelo
Radiante, brilha mais a lua
Sob sua alma

Prontos para lutar
Ondulados desejos
Vida vermelha
Forte Coração

Marlon Nunes (S/D)
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A FUMAÇA

A fumaça queima
Por onde vamos
Seus olhos cegos
A lua escura

Em suas belas curvas
Escorre o canto
Entremeadas pernas
Nossos pelos

Lábios
Lábios
Lábios

Marlon Nunes(S/D)

APOCALYPSE NOW

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Coppola faz o filme como os americanos fizeram a guerra – nesse sentido é o melhor testemunho possível – como o mesmo exagero, o mesmo excesso de meios, a mesma candura monstruosa... e o mesmo êxito. A guerra como meio de arruinar, como fantasia tecnológica e psicodélica, a guerra como sucessão de efeitos especiais, a guerra que se transformou em filme muito antes de ser rodada. A guerra abole-se no teste tecnológico e para os americanos ela foi mesmo um primeiro momento: um banco de ensaio, um gigantesco terreno para testar as suas armas, os seus métodos, o seu poder.

Coppola faz isso mesmo: testar o poder de intervenção do cinema, testar o impacte de um cinema que se tornou numa máquina destemida de efeitos especiais. Neste sentido o seu filme é, ainda assim, de fato, o prolongamento da guerra por outros meios, o remate desta guerra inacabada e a sua apoteose. A guerra faz-se filme e o filme faz-se guerra, ambos se juntam pela sua efusão comum na técnica.

A verdadeira guerra é feita por Coppola como por Westmoreland: sem contar com a ironia genial das florestas e das aldeias filipinas queimadas com napalm para reconstruir o inferno do Vietnã do Sul: retoma-se tudo isso pelo cinema e recomeça-se: a alegria molochiana da rodagem, a alegria sacrificial de tantos milhões gastos, de uma tal holocausto de meios, de tantas peripécias e a paranóia gritante que desde o princípio concebeu este filme como um acontecimento mundial, histórico, no qual, no espírito do seu criador, a guerra do Cietnã não tivesse sido o que é, não tivesse existido, no fundo – e bem que podemos acreditar nisso: aguerra do Vietnã em si mesma talvez de fato nunca tenha existido, é um sonho, um sonho barroco de napalm e de trópico, um sonho psicotrópico, onde não estava em causa uma vitória ou uma política, mas a ostentação sacrificial, destemida, de uma potência filmando-se já a si própria no seu desenvolvimento, não esperando talvez nada mais que a consagração de um super filme, que remata o efeito de espetáculo de massas desta guerra.

Nenhum distanciamento real, nenhum sentido crítico, nenhuma vontade de tomada de consciência em relação à guerra: e de uma certa maneira é a qualidade brutal deste filme não estar corrompido pela psicologia moral da guerra. Coppola bem pode ridicularizar o seu capitão de helicóptero fazendo-o usar um chapéu da cavalaria ligeira e fazendo-o destruir a aldeia vietnamita ao som da música de Wagner – não se trata aí de sinais críticos, distantes, é algo de imerso na máquina, fazem parte do efeito especial e ele próprio faz cinema da mesma maneira, com a mesma megalomania retro, com o mesmo furor insignificante, com o mesmo efeito sobre multiplicado de fantoche. Mas ele desfecha-nos isso, aí está, é assombrado e pode pensar-se: como é que tal horror é possível (não o da guerra, mas o do filme)? Não há, contudo, resposta, não há juízo possível, e podemos mesmo rejubilar com este truque monstruoso (exatamente como com Wagner) – mas não pode, porém, assinalar-se uma ideiazinha, que não é má, que não é um juízo de valor, mas que nos diz que a guerra do Vietnã e esse filme são talhados no mesmo material, que nada os separa, que esse filme faz parte da guerra – se os americanos perderam a outra (aparentemente), esta ganharam-na com toda a certeza. Apocalypse Now é uma vitória mundial. Poder cinematográfico igual e superior ao das máquinas industriais e militares, igual ou superior ao do Pentágono e dos governos.

E ao mesmo tempo o filme não deixa de ter interesse: esclarece retrospectivamente (nem sequer é retrospectivo), pois o filme é uma fase desta guerra sem deselace) como esta guerra estava já flipada, louca em termos políticos: os americanos e os vietnamitas já se reconciliariam, imediatamente após o fim das hostilidades os americanos ofereciam a sua ajuda econômica, exatamente da mesma maneira que aniquilaram a selva e as cidades, exatamente da mesma maneira que fazem hoje o seu filme. Não se terá compreendido nada, nem da guerra nem do cinema (deste, pelo menos) se não se percebeu esta indistinção que já não é a indistinção ideológica ou moral, do bem e do mal, mas a da reversibilidade da destruição e da produção, da imanência de uma coisa na sua própria revolução, do metabolismo orgânico de todas as tecnologias, desde o tapete de bombas até à película fílmica.

BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio D'Água, 1991. p. 77-79.

Máquina e Imaginário - Arlindo Machado

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Por Marlon Nunes

O texto “Máquina e Imaginário” do autor Arlindo Machado começa a discussão sobre arte e tecnologia exemplificando três maneiras de se fazer arte com o advento da tecnologia, seja com caráter apologético ou a integração: Estéticas Informacionais, a Vídeo-arte e a Surveillance. Três exemplos de arte em relação à tecnologia que não se resumem ao mesmo denominador. Para o autor não nos importa saber se esses processos ainda podem ser considerados artísticos ou não, mas que os conceitos tradicionais através da criação dessas novas obras e sua implantação na vida social devem ser discutidos. Para isso, o autor afirma que é necessário uma crítica não dogmática que esteja atenta a dialética da desconstrução e da construção de grandes transformações.

O autor salienta que os gregos, por exemplo, não faziam nenhuma distinção entre arte e técnica, até pelo menos o Renascimento, quando filósofos como Francis Bacon e seus contemporâneos vão adotar o conceito de “artes-mecânicas” como modelo da cultura nascente. Sendo assim, “a figura do inventor se sobrepõe a do sábio e a máquina torna-se modelo conceitual para explicar e representar o universo físico natural” (pag. 25).

Segundo o autor a nossa época também passa por um momento de discussão de problemas técnicos e científicos. Exposições demonstram que se faz cada vez mais difícil fazer uma diferenciação entre a imaginação artística, a investigação científica e a invenção técnica e industrial. “Hoje os grandes centros de pesquisa estética estão localizados dentro de institutos de pesquisa tecnológica e científica” (pág. 25).

Segundo o autor alguns pensadores como Lewis Munford consideram que a arte e a técnica são opostas, pois a arte corresponde à subjetividade do homem enquanto a técnica é mecânica e objetiva, logo máquina e arte se opõem.

A discussão passa agora pela questão da contradição entre a arte e a indústria, pois sabemos que os artistas expõem sua arte de forma subjetiva, a arte é sim, uma forma de expressar sentimentos, mas a indústria se apropria dessa condição e de certa forma subsidia os artistas. Esse processo significa que o artista está sendo absorvido pela indústria cultural? Se pensarmos que em todas as épocas os artistas sempre foram incentivados por alguma maneira de mecenato, não. Mas se considerarmos que a enorme reprodutibilidade desse tipo de arte-industrial, sim. Como vivemos numa sociedade avançada industrial e tecnologicamente, é claro que de alguma forma os aparelhos tecnológicos irão fazer parte do universo artístico. Daí talvez o paradoxo, porque ao mesmo tempo que os artistas criam novos métodos composicionais, as empresas financiam grandes eventos internacionais dedicados ao tema da exploração artística dos novos meios. Então o autor questiona até onde o artista contribui para legitimar a sociedade industrial avançada e a partir de onde ele a desconstrói?

Encaminhando a continuidade dessa discussão, Arlindo Machado cita a Sky art. A Sky art, caracteriza-se basicamente por projeções de raios laser, bombardeamento de nuvens com pó químico para torná-las iridescentes e coloridas, lanças aos céus balões de gás hélio, criar arco-íris artificiais, sinais eletromagnéticos etc. Os artistas da Sky art encontram muitas dificuldades devido os seus projetos terem custos elevados, mão-de-obra especializada e longas pesquisas, sem os render os resultados práticos que a tecnocracia espera. Mas essa mesma tecnocracia que muitas vezes é indiferente ao trabalho dos artistas, não pode ignorar esse tipo de arte pois precisa se legitimar socialmente e apropriar-se das descobertas estéticas.

Temos assim três discursos sobre a tecnologia: o apologético, pregado por engenheiros, industriais e a mídia. O das elites intelectuais, acomodados em universidades, museus e imprensa escrita. E no meio os artistas que podem servir como fonte iluminadora trazendo problemas e possibilidades reais.