OLHAR E SER VISTO
Retratos modernos
exibidos
Cenas em alegorias
A dor da cabocla
mexicana
Expressão descabida
Murais populares de Siqueiros
Impressões digitais,
Eu mesmo
Penteadas as
tristezas,
Escovam nossos dentes
sujos
Cabarés recebem
rabiscos
Da bailarina de Cancan
Por trás do picadeiro
Observo, registro e
petisco
Pancetti, o vermelho e a marreta
Vontade de não ser
visto
Mas como voyeur, reparo
As almas que entram e
saem
Muitas vezes
arrogantes
Já vão logo pondo a
mão
Poucas vezes
preocupadas
E ainda há aquelas
assustadas
Exercícios diários de
resistência
Ao caminhar vários
quilômetros
Em frente ao ponto,
ver que a arte
Está longe, longe da
verdade
Dos seres que vagam
pela grande cidade
Do senhor com a
barriga aberta
Do outro, frágil negro
velho
Longe dos
economicamente pobres
Perto dos
economicamente podres
Perto ou longe dos
espíritos malignos
Dos benignos nem tão
próxima nem distante
Caminhando pelas
paredes brancas
Como fantasmas,
atravessam nossas vidas
Os silenciosos
camponeses surdos
Desaparecem na loucura
de Nijinsky
Nos traços
atrapalhados no menino de Apel
Em pensar que podemos
voar
Assentados no pavão
Olhando a princesa do
ar
Sermos fieis admirando
os cisnes
Ou perder-nos na pompa
Se não seguirmos a
bússola de Contarini
Pelo olhar de Sr.
Willian, também oprimidos
Chamados às bochechas
vermelhas, morder
Celebridades do Renascimento
Seqüência de
Fibonacci, câmara clara
Novas culturas e
pescoços alongados
Máscaras que simulam a
realidade
Trancados na
hiper-realidade, nos simulacros
Do capital, dos museus
itinerantes,
Da artificialidade do Inhotim, do não-lugar
Presos, fora das
memórias dos pensadores originais
Em pranchetas e
relatórios
Em tabelas de custo e arquivos
mortos
No absurdo preço do café
Na segregação rodeada
de serras
O desmatamento para a
verticalização social
Da arquitetura dos
corpos
Divididos por Platão
Dos dois triângulos
azuis
Das estrelas e faixas
vermelhas
Do condado
ítalo-brasileiro
Das miseráveis crianças
que veem tanta comida
E mesmo assim passam
fome no foyer
Uma mãe negra que
segura sua cria
Sem ter o que comer
leva seu filho
Para um trabalho
escolar complementar
Através do olhar e não ser vista
Das conversas de
balcão
Técnicas pedidas,
realizadas
Virtuais trocas
pessoais
Vieram amigos e alguns
já vão
Atropelamento do tempo
Velocidade no espaço
destruído
Pelas construções
industriais
Inesquecíveis
experiências transbordantes
Semáforos que não
seguram
Poucas são,
oportunidades de sentir
Tornar-se sensível, Ereignis
À descoberta do Ser
Salvando, nossa
burocrática morte
Marlon Nunes
4 de julho de 2011